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Um bom ano com tudo (de) novo

Resoluções, revoluções, remodelações, redefinições,...
Todos os anos é a mesma coisa: tentamos uma reinvenção, uma reconfiguração, uma reformulação do que somos. Um aclarar de garganta. Um acertar de passo. Somos sempre a mesma pessoa, mas tentamos sê-la de uma maneira diferente, porventura melhor. Talvez com um visual diferente, com um método diferente de falhar, com menos café e mais água, com mais meias com padrões, com menos carne, com mais champô sólido, com menos telemóvel na mão, com uma ou várias crises existenciais diferentes.
Não acho que estes exercícios de reinvencão sejam fúteis, mesmo que acabem por sê-lo na sua execução. Creio até que não fazê-los é contranatura. Tudo está em constante e voraz movimento e transformação, mesmo o que é inanimado por natureza: um papel pode ser usado, amarfanhado, rasgado e reciclado para, no fim, voltar a ser papel, ainda que com defeitos ou imperfeições. Nós, seres um bocadinho mais animados que um papel, também não temos como fugir a reciclagens periódicas. Pois convenhamos: nós não nascemos logo seres humanos, mas seres humanos em construção. Depois, mais tarde – mais tarde para uns e mais cedo para outros – aprendemos, com mais ou menos consciência, que somos obrigados a desconstruir uma série de crenças, preconceitos e expectativas que o processo de construção nos trouxe, pelo que nos tornamos seres humanos em desconstrução. Depois, mais tarde – mais tarde para uns e mais cedo para outros – acordamos na cama um dia a tentar perceber que bicho kafkiano é que, afinal, somos, e iniciamos uma nova jornada de auto-conhecimento, agora de reconstrução. Há quem não chegue à fase de reconstrução e passe a vida inteira a desconstruir(-se) – e não será mais nem menos que ninguém por isso. Conseguir delimitar cada estágio é coisa para ser classificada de feitiçaria.
É cliché mas é verdade, verdadinha: nunca se trata realmente de chegar a um produto final, acabado e pronto a entregar, porque somos tantos produtos diferentes ao longo do tempo. Com uma peça azul, uma nova, uma velha e uma emprestada a cada renovação, como noivas ad aeternum. Como algo sempre prestes a.

O ano de 2023 caiu, como caem todos, de podre ou de maduro, e como grande lição para os anos vindouros levo uma que já partilhei na minha reflexão dos 32 anos: não existe antes e depois; não existe estalar de dedos; não existe abrir e fechar de olhos; existe, apenas e só, processo. Um lento processo, uma lenta migração.

#tenho-tido-visões