Teletrabalho, fala a malta
São dois anos e meio disto já. O teletrabalho é uma daquelas realidades que primeiro se estranha e depois se entranha, embora eu em particular nunca tenha passado pela fase da estranheza – por vários motivos, mas desconfio que a minha tendência para a reclusão seja o preponderante. Vim a descobrir coisas sobre mim neste novo regime de trabalho, nomeadamente que prefiro pensar em voz alta e enquanto ando – algo que não consigo fazer à vontade num open space, sob risco de os meus colegas me atirarem com uma impressora à cabeça.
Mas sem dúvida que um dos maiores benefícios que encontro no teletrabalho é o de que não existem dias integralmente maus. Um dia pode nascer torto, mas eu, estando em casa, consigo controlar o meu ambiente, físico e emocional, e endireitá-lo alguma coisa. Um azar que aconteça – como um sinal rebentar-se-me na axila no exacto dia em que estou de t-shirt branca; uma má notícia que receba; uma inundação; um dia chocho porque mulheres ou porque ser humano –, em casa estarei em melhores condições de me recompor no momento e não deixar que sobre para depois do trabalho, quando a paciência já não é a mesma. Que esta coisa de arrumar as chatices atrás do cérebro deixa muito rasto cognitivo.
No fundo, é como se as partes chatas da vida (que existem sempre) estivessem diluídas pela semana inteira, e consigo lidar muito melhor com elas em doses homeopáticas.