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Nunca fui de fazer grandes retrospectivas nos meus anos (dá-me ansiedade pensar no que deveria ou poderia ter aprendido no ano que passou e não aprendi), mas como estamos sempre a aprender maneiras diferentes de viver as mesmas coisas, aqui vai uma lista de 22+1 pequenas grandes lições / observações / pontualidades a la Gustavo Santos, para uso (im)pessoal e (in)transmissível.
1| Sem querer, já comecei: estamos sempre a aprender maneiras diferentes de viver as mesmas coisas. Aproveitar a vida pode passar por experimentarmos o maior número possível de coisas diferentes, mas a beleza de viver também pode estar (e está) em reinventar a forma como pensamos, vemos e celebramos tudo o que se repete nos nossos dias.
2| Só gosto das pessoas boas. Adília Lopes diz assim (e eu concordo com o tom):
Só gosto das pessoas boas
quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy
sei lá o quê
se não são boas pessoas
não prestam
Ou, citando José Saramago:
Talvez mais do que esteticamente sensíveis ou politicamente correctos, o que nós devemos mesmo ser é activamente bons.
Encontrar pessoas boas é extremamente difícil, estou convencidíssima disso. Nem sei se eu própria sou boa pessoa, mas sei que tenho algumas à minha volta e isso dá-me um quentinho nas palmas das mãos durante o Inverno.
3| Nem tudo o que a terra produz tem de ser colhido. Valho-me muito deste mantra para mitigar o FOMO (Fear of Missing Out) e ficar em paz com o facto de não estar no mesmo comprimento de onda que o universo em geral, seja a que nível for. Não tenho de ver aquela série, aquele filme, ou gozar determinada experiência (ponto) no exacto momento em que está toda a gente a ver/gozar. Ajuda-me a não sucumbir às trends e a poder dizer agora não me apetece sem remorsos. Se não é libertador.
4| Comprar novo já não se usa. Entrar em centros comerciais para comprar roupa (já) é uma ideia tão absurda e ultrapassada. Entre a que obtenho em 2ª mão, a que me é oferecida e a que não preciso de ter porque passo bem com usar as mesmas peças básicas em dias consecutivos e de ano para ano, não há mesmo necessidade de comprar (novo). E quem diz roupa diz outra coisa qualquer. Trocar e reutilizar são os únicos verbos de encher que fazem sentido, sendo que na base está o querer menos (que é, também, toda uma aprendizagem). O planeta já nem agradece; suplica.
5| Revisitar é, não raras vezes, muito melhor do que visitar.
6| Não conseguimos ser quem somos sozinhos. Não é nenhuma crítica ao estado de solteiro; falo em termos gerais. Precisamos das outras pessoas para sermos quem somos – passo a redundância – porque precisamos delas para nos fazer chegar a sítios inacessíveis a nós, e não estou apenas a referir-me ao facto de precisarmos de quem nos ponha protector solar nas costas. Os outros abrem-nos e escavam-nos; e depois há aquela eterna questão filosófica da árvore que cai na floresta sem ninguém à volta para ouvir, «ser é ser percebido».
7| Não compro o cinismo. Dizem que com a idade nos tornamos mais amargos e cínicos, ganhando o direito aos nossos odiozinhos de estimação e caprichozinhos de pedanteria. Dizem que é sinal de sabedoria, de que se está atento, de que se viu e viveu muito. Não consigo dar para esse peditório, sobretudo quando observo que este cinismo de que falam se confunde muitas vezes com ter o julgamento na marcação rápida. É que noto justamente o contrário: à medida que fico mais velha, a minha tendência é para julgar menos, sendo que o alvo maior do meu julgamento são essas pessoas que julgam demasiado e sumariamente. E, bem, também julgo as pessoas que entram em cafés para pedir uma merenda mista prensada em decúbito dorsal e um café sem princípio – mas calha serem as mesmas pessoas que julgam demasiado...
8| Peso 54kg e meço 173cm. Tenho praticamente zero de gordura visceral e 17.8% de gordura corporal. E ainda assim tenho celulite no befe.
9| «Skinny jeans are not my lover». Outro peditório para o qual já não dou, e já há alguns anos. São ridículos todos os espartilhos a que uma mulher se sujeita de forma quase inconsciente, para corresponder a uma ideia de belo e elegante que de belo nada tem. Porque se não é confortável e/ou limita movimentos, não pode ser belo. Durante algum tempo usei brincos nas orelhas mesmo ficando com elas em ferida quando os tirava (eu crio quistos nos lóbulos com muita facilidade). Gostava de me ver com eles e por isso concedia essa pequena tortura – até que percebi que era só estupidez da minha parte. Tenho pena mas já não uso brincos há mais de um ano. E o calçado bonito mas desconfortável que só podemos usar durante exactamente 7 minutos e meio porque faz ferida nos calcanhares? Também lhe virei costas, agora de ténis.
10| O mundo divide-se entre dois tipos de pessoas: as que ocupam a sua existência e as que se ocupam dela.
(É claro que numa lista destas tinha que constar um "o mundo divide-se em…".)
11| Já não há estrelas no céu. E a culpa, digo-vos eu aqui, não é da poluição luminosa – é de toda a gente que as roubou de lá de cima para estrelar tudo o que acontece cá em baixo. Até a ovos estrelados dão estrelas. Parece-me que a malta entusiasma-se demasiado na ânsia de marcar o mais pequeno fenómeno como visto / lido / provado. O que me leva à próxima constatação, que mete um bocadinho de água na fervura dos tempos modernos:
12| «Sometimes, you just need to use a toilet.» – Abe Weissman na série The Marvelous Mrs. Maisel. (Eu ainda hei-de emoldurar esta frase de tão genial que é.)
13| Quando tudo corre mal, bebe água. Caminha durante 20 minutos. Come uma peça de fruta. Sobe e desce escadas. Agacha-te sem usares as costas. Quando o dia não corre bem, faz uma ou duas coisas mínimas pela tua saúde. (Estou a falar para mim.)
14| O azul até é uma cor que me fica bem.
15| Pessoas que usam relógios com precisão quântica no pulso são, no mínimo, suspeitas.
16| Pode estar tudo bem, e não estar. Que é o mesmo que dizer que posso ter todas as minhas necessidades emocionais satisfeitas, e até suplantadas, e, ainda assim, uma vez por outra, querer uma configuração (minimamente) diferente dos astros. É a insustentável incongruência do ser, parece-me – alguém porventura sabe o que é que se toma para isto?
You can be unhappy and still be in love.
You can be in love and still walk away.
You can walk away and still feel the weight of loss.
You can feel the weight of loss and still stand tall.
You can stand tall and still be grieving.
You can be grieving and still find joy.
You can find joy and still miss what you had.
You can miss what you had and still long for more. – L. E. Bowman
17| O problema sou eu. Tudo o que exijo ou admito aos outros parte sempre de uma necessidade, de um capricho ou de uma lacuna minha. O outro é sempre e só um canal de confirmação de algo que existe primeiro em mim.
18| Tudo ocupa o seu espaço, físico e mental. Por mais pequeno que seja. Até o raio de uma mola estragada. Não devemos subestimar tanto o valor como o espaço que as pequenas coisas comportam, para o bem e para o mal.
19| Não há antes e depois, não há estalar de dedos; há única e exclusivamente processo.
20| A vida não deveria ser uma demonstração de resultados – embora tudo esteja montado para que seja, desde o sistema de ensino até à mais inane forma de entretenimento. O mundo quer produção em massa e quantificar os ganhos e as perdas de uma forma tão obsessiva que, se não estamos a ganhar, estamos invariavelmente a perder alguma coisa. Parece-me que os escapismos servem para conseguirmos existir de permeio, sem o barulho irritante dos fluxos de caixa a fazer ka-ching!.
21| Só existe um oceano no mundo. Let that sink in. (Geddit?) Claro que precisamos de fazer distinções para organizarmos o mundo e as respectivas caixas de areia, mas demasiadas distinções tornam-se ridículas quando pensamos a fundo nelas.
22| Nunca se avistou uma centopeia que tivesse cem pés. Isto para dizer que as palavras, muitas vezes, na impossibilidade de encerrar a realidade, arredondam-na. E não estão isentas de erros de arredondamento quando comunicamos. Pequeno lembrete.
23| «Ainda há mudanças por vir, antes de termos acabado as nossas mudanças.»